Era uma vez um homem que tinha um patrão. Um dia, o patrão resolveu começar a ignorar as leis laborais ou, pelo menos, as do bom senso. Começou por impor que passaria a dar ao empregado – conhecido anteriormente por "um homem que tinha um patrão" – um empurrão por dia. Não é que o empregado tenha gostado da ideia, esboçou um protesto, mas pensou "Um empurrão não é grave, prontos!". Havia dias em que o empregado até chegava a achar graça e lá ia produzindo o que tinha a produzir.
No mês seguinte, o patrão pensou, pensou, pensou e decidiu acrescentar ao empurrão um beliscão igualmente diário. O empregado voltou a não achar graça, chegou mesmo a dizer que isso até podia afectar a produtividade. O problema é que patrão é patrão e não convém dizer que não. Assim, o empregado lá foi aguentando. Teve alguns problemas em casa para explicar à mulher a origem daquela marca de beliscão e só não acrescentamos um divórcio à história porque não interessa à alegoria propriamente dita.
Passado mais um mês, o patrão, depois de muito matutar, decidiu que devia acrescentar ao empurrão e ao beliscão uma cotovelada no diafragma. Aí, o empregado começou a levantar a voz, até porque uma cotovelada já é uma dor significativa e no diafragma chega mesmo a dificultar a respiração, podendo ser mais um factor de baixa de produtividade. Nada demoveu o patrão. "Era o que faltava!", dizia ele, cofiando o longo bigode dos patrões das alegorias, "Daqui a bocado, isto era uma democracia a sério em que andávamos a ouvir a opinião dos trabalhadores!"
Um mês depois, o patrão, tendo cogitado mais um bocado, decidiu que era tempo de começar a incluir no rol dos "incentivos", como lhes chamava sem se rir, a bofetada. O empregado continuou a trabalhar, mas, estranhamente, já não sentia o mesmo prazer e chegou a queixar-se a alguns amigos de outras empresas. O problema era que, nas outras empresas, alguns patrões já há muito que tinham passado a fase da bofetada e alguns já iam na serra eléctrica ou no picador de gelo. Por isso, alguns amigos diziam ao empregado: "Tens é muita sorte, não sabes o que é bom! Havias de ter um picador de gelo nas costas todos os dias para veres como uma bofetada é uma coisa maravilhosa! Quem me dera a mim levar bofetadas de hora a hora!"
Quando chegou o dia em que o patrão determinou que o empregado também ia passar a levar um pontapé nos testículos, foi uma gritaria lá na empresa e o empregado nunca mais parou de reivindicar, aproveitando os sábados para marchar em protesto contra o empurrão, o beliscão, a cotovelada no diafragma, a bofetada e o pontapé nos testículos. Para além disso, deu-lhe para fazer greve. O patrão começou a ficar preocupado com a reacção do empregado e até chegou a pedir-lhe desculpa, mas, como muitos patrões de tantas alegorias, pensava que, por um lado, não podia voltar atrás, embora, por outro, estivesse com um bocado de medo de perder o controlo da situação.
Foi então que, pondo o ar magnânimo e paciente de todos os patrões, se lembrou de propor o seguinte: não havia mais empurrão nem beliscão durante um ano e não se falava mais nisso. Fez esta proposta de maneira a que toda a gente na aldeia pudesse ouvir. Mas não é que o empregado nem assim se aquietou nos seus protestos? Os amigos falavam com ele e não percebiam por que razão o nosso herói continuava tão abespinhado, se o patrão já tinha cedido tanto. Alguns chegaram mesmo a dizer-lhe que ele não queria era trabalhar, que era um malandro, um privilegiado sem vergonha. Foi aí que o empregado se apercebeu da verdadeira importância de ter testículos e nunca mais se calou.
Fernando Nabais
Dedicado a todos os que não percebem por que razão é que os professores não se aquietam.
Dedicado a todos os professores que se têm calado de cada vez que levam um empurrão.