segunda-feira, 21 de abril de 2008

Que sociedade construímos nós?

O vídeo tornado público por altura da Páscoa, no qual se poder ver uma professora a ser humilhada por uma aluna, perante uma plateia delirante e sardónica que assiste passiva àquele triste espectáculo, demonstra que algo vai mal, não apenas nas escolas, mas também na nossa sociedade. Este é um assunto complexo e tem na sua origem várias causas que não se resolvem apenas através da intervenção do poder político.

A desautorização dos professores e a demissão dos pais do exercício da sua autoridade educativa, para além de conduzir a atitudes e comportamentos anti-sociais, proporciona a estruturação de personalidades imaturas e com falhas na adaptação social.

Verificamos que na educação das crianças e dos jovens há cada vez mais uma ausência de limites. Existe, por vezes, a noção errada de que a tolerância é o maior dos bens e que os limites, impostos pelas regras, são actos de repressão. Porém, a permissividade excessiva e a ausência de limites na educação são também provas de desamor e de abandono. Neste contexto, a família tem um papel fundamental. Educar obriga muitas vezes a dizer "não" e isso leva muitas vezes a reacções, do lado dos filhos, que são difíceis de presenciar. Evidentemente que muitas vezes torna-se mais fácil dizer "sim" do que ter que lidar com uma briga ou um amuo. Mas quem disse que educar não dá trabalho?

Uma das consequências da ausência de limites na educação é a falta de capacidade para lidar com a frustração. Estes jovens tornam-se impulsivos, incapazes de esperar, procurando a todo o custo a gratificação imediata e a satisfação dos seus desejos. Não é pois de estranhar que, diante uma contrariedade imposta por um professor, a agressividade surja como uma reacção natural.
É curioso constatar que − ao contrário daquilo que seria de supor − o excesso de tolerância na educação das crianças e dos jovens, transforma-os precisamente em indivíduos pouco tolerantes. Para se viver em sociedade é necessário aprender regras, é necessário perceber que a minha liberdade termina quando atinge a liberdade do outro. Por isso, a inexistência de normas e limites incita ao individualismo e a um narcisismo intolerável.

A capacidade de ouvir o outro também se aprende. Com efeito, para assistir convenientemente a uma aula é necessário que haja quietude e silêncio. Ora, uma grande parte dos nossos jovens não suportam o silêncio. Num mudo repleto de estímulos e de excesso de comunicação, os jovens não conseguem largar o telemóvel, não sabem estar consigo próprios, receando o vazio da solidão.
Para alguns jovens, os professores − tal como os pais – são vistos como figuras autoritárias, repressoras e desprezíveis. Esta atitude pueril reflecte uma falta de interesse e um desdém pelo conhecimento que a educação proporciona. Na verdade, muitos são incapazes de compreender que é o seu próprio futuro que está em jogo. De resto, esta imaturidade transfere-se para a vida adulta, levando a que se tornem adultos inconstantes, inadaptados, revoltados, atribuindo frequentemente à sociedade as razões do seu infortúnio.

Fala-se muito na necessidade de educação sexual nas escolas, mas fala-se pouco de educação cívica. Esta é uma matéria na qual a escola tem uma palavra a dizer. Penso que deveria obrigatoriamente fazer parte da formação dos jovens nas escolas uma experiência de voluntariado. De outro modo, como é que será possível criar uma consciência social nos jovens, se não se integra a solidariedade como um elemento da sua formação? Esta falha formativa pode criar uma "infantilização da sociedade", em que o Estado é visto como uma espécie de pai que tem que nos proteger, garantir todos os direitos, e o único responsável pelo nosso destino.

Os jovens estão cada vez mais afastados da religião e das ideologias políticas. Há uma pressão enorme, por parte da sociedade, para o consumismo e para o hedonismo. Todavia, sabemos que o Homem tem outras aspirações, além dos aspectos materiais e da procura da satisfação dos desejos imediatos. Existem outros valores que devem ser ensinados e transmitidos aos nossos jovens. Mas, infelizmente, vivemos cada vez mais numa sociedade light, na qual vinga a cultura da superficialidade, a procura do prazer imediato e o individualismo.

Os alunos, os professores e a infantilização da sociedade, Pedro Afonso (Psiquiatra)
In Jornal Publico - 02 Abril 2008

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